Comecei a escrever esse texto no avião, durante o vôo para São Paulo na quinta-feira. Fui atropelado pelo calor dos fatos dessa tarde, em Natal, mesmo estando fora, em viagem. O texto é imenso. Foi grandemente motivado pela leitura da entrevista do desembargador Fausto De Sanctis, publicada no Le Monde Diplomatique, que republicarei no post seguinte. Leiam com moderação.
Inicialmente, considerava que a luta pela mudança na gestão Micarla de Sousa (PV) liderada pelo #ForaMicarla resultaria apenas na remoção de uma gestora incompetente, com contratos mal explicados que terminariam por beneficiar seu grupo particular.
Aos poucos, no entanto, a gente vai começando a entender que a dimensão do monstro pode ser ainda maior e que as estruturas e as entranhas dos processos de corrupção são talvez ainda mais assustadores.
A gente sabe que a prefeita e seu grupo utilizaram a estrutura do Novotel Ladeira do Sol como escritório do governo de transição. O estabelecimento pertence a Haroldo Azevedo, irmão do presidente da FIERN, Flávio Azevedo. Ao tomar posse, a prefeita aproveitou o argumento de que o edifício Ducal, onde funcionavam as secretarias de Saúde e de Educação, efetivamente já era inadequado para o trabalho dos servidores, e mudou todo mundo para o prédio do Novotel.
À época, entre 2009 e 2010, ouvíamos de que a prefeitura deixou seis meses de aluguel por pagar no Ducal e, por sua vez, antecipou seis meses no Novotel. A dona do Ducal, inclusive, em alguns momentos, desesperada com o atraso dos pagamento, bloqueou elevadores e tentou impedir o acesso das pessoas que estavam realizando a mudança. Não adiantou.
Agora, a prefeita responde processo por improbidade administrativa devido a esse contrato do Novotel - que teve desde uma consulta de preços viciada até, quem sabe, sobrevalores.
Esse é um dos contratos sob investigação na CEI instalada na Câmara de Natal.
Também no início da gestão, a gente ficou sabendo que a prefeitura municipal de Natal, através da Secretaria de Tributação, extinguiu uma dívida de IPTU da empresa de comunicação da prefeita - a TV Ponta Negra.
No mesmo período, pudemos saber que a prefeitura, através da Secretaria de Saúde, desobedeceu a uma determinação do Conselho Municipal de Saúde, que proibiu o município de renovar contratos excepcionais com cooperativas médicas.
E o último elemento que apontava, para mim, que tínhamos uma prefeita patrimonialista e incompetente era o decreto de calamidade na área de saúde proclamado no início de 2009, sob o argumento de que o sistema de saúde estava, além de desabastecido, necessitando de obras estruturantes. O problema é que nesse período os insumos continuavam em falta - sempre conto de minha esposa, grávida, que ao tomar vacina pré-natal obrigatória, não teve o ponto da injeção limpo por falta de gaze na unidade de saúde.
Juro que atribui isso à incompetência - a gestão seria tão incompetente que seria incapaz de resolver os problemas de abastecimento da rede de saúde mesmo com um decreto que lhe autorizava fazer as compras sem processo licitatório. Hoje, com o cenário melhor definido, estou certo que aí repousa uma atividade criminosa.
Em 2009, quando criei a primeira versão do De olho no discurso tinha por intenção denunciar a incompetência - a partir da análise dos discursos de Micarla e da gestão. Para mim, era incompetência. Conhecia muita gente que estava ao lado dela e, por isso, provavelmente, não ousava pensar em práticas criminosas. Via esses fatos como isolados uns dos outros - provando o patrimonialismo de uma gestão apoiada pelo DEM e a incompetência dos auxiliares indicados por uma borboleta sem graça.
Estava certo de que a gestão seria isso desde a campanha. Mesmo não morando à época em Natal, acompanhava os programas pela Internet e me ligava nas notícias. Voltei a morar na cidade a tempo de participar da eleição. Nas últimas semanas de campanha, percebendo a fragilidade discursiva da campanha de Micarla, criei um blog, no qual assinava como Caçador de Borboletas. Não ocultava minha identidade - tanto que anunciei a inauguração do blog por meio de release a todo o meu mailling-list de jornalistas.
Mas tudo estava, para mim, limitado à incompetência e ao patrimonialismo.
Começo a mudar de opinião quando ouço histórias e vejo situações que apontam para situações bem diferentes.
As duas operações policiais desta semana batem nas portas da prefeita Micarla de Sousa. A Operação Pecado Capital enrolou profundamente o deputado estadual Gilson Moura (PV), pessoa de confiança de Micarla. Rychardson Macedo, chefe da organização criminosa que tomou conta do IPEM, é apadrinhado de Gilson. Essa organização, sob influência de Gilson, estava começando a desembarcar no Detran na nova gestão, destacando-se que o órgão é dirigido pelo filho do desembargador Expedito Ferreira (nepotismo cruzado?).
Rychardson ostentou a riqueza que conseguiu ilegalmente nos últimos anos. Saiu de uma declaração de bens zerada em 2007 para movimentar milhões de reais em quatro negócios legais - que, segundo o ministério público, foram usados para lavagem de dinheiro. No Supermercado É show, que está fechado, a babá de minha filha me disse que comprava um quilo de arroz por um real. Ele comprou lancha e, dizem, lavava os pés com uísque doze anos nos Parrachos de Pirangi. Jovem, perdeu a noção. O título da Operação, Pecado Capital, é bem adequado.
Só que se você pensar um pouquinho, estamos falando do desvio de vários milhões de reais. Nem todo dinheiro fluiu para os bolsos de Rychardson, certamente. Além dos presos e dos deputados Gilson Moura e Fábio Dantas, vários nomes importantes foram citados nas intercepções telefônicas, entre eles, o de dois desembargadores: Saraiva Sobrinho e Expedito Ferreira. Eles têm com o esquema? Por que Saraiva Sobrinho, mesmo depois de ter uma filha trabalhando no IPEM de Rychardson, foi relator de uma ação do último no TJ? Além deles, resta-nos a dúvida sobre quem seriam Lauro e Fernando, com poder de indicar funcionários fantasmas no IPEM. Seriam Lauro Maia e Fernando Faria?
Essa organização que atuava no IPEM é muito bem articulada. É de duvidar que fosse liderada por um jovem sem noção que, ao enriquecer ilicitamente, passou a esbanjar toda a sua riqueza. Não é leviano, portanto, imaginar, que outro fosse o cabeça. Até porque os irmãos não movimentaram todo volume de dinheiro que o ministério público acusa de terem desviado. Esse cérebro estava organizando o desembarque do grupo no Detran dirigido por Érico Ferreira, filho de Expedito. Daniel Vale Bezerra já estava lá. Quem articulava era Gilson Moura (PV), padrinho de Rychardson. Será que ele é o chefe da organização? Se for ou se apenas fizer parte dela, Micarla de Sousa vê tudo isso da fresta da porta de seu gabinete.
A segunda operação, deflagrada na quarta-feira, atingiu o cartel de postos de combustíveis em Natal. Um braço da investigação atingiu Enildo Alves (sem partido), líder da prefeita, acusado pelo ministério público de envolvimento com o cartel que está sendo investigado. As investigações da Operação Hefisto duraram dois anos, sem contar com o levantamento técnico elaborado pela secretaria de direito econômico. Não houve prisões, mas ficou bastante claro que os preços de combustível em Natal não são iguais por pura coincidência.
Observando essas duas operações, todos os nomes envolvidos e a proximidade com o gabinete da prefeita de Natal, me espantei com o tamanho do bicho. Há pelo menos duas organizações criminosas, com relações próximas à prefeita e outras autoridades poíticas e civis. Aí vieram os ataques.
Os ataques nos surpreenderam e foram logo atribuídos ao PCC. Ainda que não fosse o PCC, a abrangência deixou claro que se trata de uma organização mais ou menos estruturada. Os ataques e o movimento nesta tarde-noite foram articulados.
Grupos armados ligados a crime organizado não são o foco da ação, por isso não deveriam ser os focos das investigações. Ações organizadas de grupos, como aconteceram hoje, representam o braço armado, sempre, de grandes organizações criminosas.
O medo que faz é que seja exatamente isso: os ataques de hoje tenham relação com a repressão às organizações criminosas que começaram a ser desbaratadas nesta semana pela ação corajosa do ministério público e das polícias. Ainda que seja uma hipótese pouco provável, não dá para achar, simplesmente, que é pura coincidência esses ataques acontecerem em uma semana como essa. De todo modo, merece ser essa uma linha de investigação.
Assim como também não deve ser descartado como pura coincidência o incêndio que destruiu praticamente três andares do Condomínio Alto do Tirol. Fogo teve início em um cômodo no apartamento do décimo-primeiro andar - que pertence, por coincidência, ao engenheiro responsável pela obra, realizada pela Conisa Construtora. E, por coincidência, um estande de vendas de outra construtora, a Capuche, dois ladrões levaram muitas coisas, inclusive computadores.
Numa cidade que já viveu a Operação Impacto, não podemos imaginar que pode haver relação em duas notícias assim contra construtoras? E isso no meio de uma semana em que o ministério público e as polícias mexeram em diversos vespeiros de corrupção. [Ironia: o prédio que incendiou é próximo à FEMSP, ligada ao ministério público do estado].
Por isso, não é nada inteligente reprimir apenas os ataques - ou, como defendeu um jovem jornalista há pouco no twitter, matá-los todos. A não ser que a intenção seja escamotear a verdade. Esconder e não deixar que ninguém saiba quem são os nomes dos que estão por trás.
Ministério Público e polícias precisam trabalhar com isenção, liberdade, integridade e inteligência para que possamos descobrir quem está por trás de tudo isso. Tenho medo que a estrutura organizacional do crime que tem se sentado, ao longo de anos, em várias instâncias de poder e repartições públicas já seja demasiada grande. E seja muito poderosa. Com nomes poderosos contribuindo para que tudo permaneça como está.
Sigam o dinheiro.
Daniel Dantas.
sábado, setembro 17, 2011
Será que temos #NatalemChamas por causa das Operações Pecado Capital e Hefesto?
Por Bony Daijiro Inoue às 12:01 PM
Marcadores: Dia a dia, Mundo Podre, Texto de segunda
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