O Bolsa Família, a velhinha, umas lágrimas e o palhaço.

Acho que ela apareceu antes do Elvis Presley. Sim, foi um pouco antes dele.
Veio acompanhada de uma mulher, que criava uma de suas filhas. Dois filhos ainda moravam com ela, um morava com outra família, e o quinto era viciado em drogas.
Ela queria receber o Bolsa Família. Há quem chame o redentor benefício de "Bolsa Esmola".
Por vários motivos, alguns dos quais eu não entendí direito, ela estava sem receber o benefício desde 2009. Lhe tem feito muita, mas muita falta.
A dois anos o benefício foi bloqueado. Faltou renovar um cadastro na prefeitura.
Renovado o cadastro, o problema passou a ser o Cartão do Cidadão que foi perdido. Levou um ano inteiro, até que alguém se apiedasse dela, e a levasse pra Caixa Econômica do Zimbábue.
Hoje foi seu dia de sorte.
Digo sorte, porque na hora em que ela chegou não havia fila. De imediato solicitei um Cartão Cidadão.
Ela me pediu pra receber o cartão na agência: ela teme que o filho drogado a roube.
Providenciei uma guia de retirada, e ela foi pro caixa, sacar o que uns chamam de esmola. Pra ela, é algo parecido com um milagre.
Quando lhe entreguei a guia de retirada, que pra mim era só um pedaço de papel, ví que daqueles olhinhos negros e miúdos, envelhecidos pelo sofrimento, saltaram umas poucas lágrimas.
Ví que eram lágrimas, porque foi justamente na hora em que ela me olhou bem fundo nos olhos e disse:
- Meu filho, Deus te abençoe...
- Boa sorte... - foi só o que pude lhe responder. Não, eu não chorei com ela. Deveria.
Sabe, quando eu entrei pra Caixa Econômica do Zimbábue, passei os dois primeiros anos ouvindo uma lavagem cerebral sobre o papel social da CEZ. Sobre como a CEZ aceita aqueles que os outros bancos não querem como clientes. Na maior parte das vezes eu me sentí um palhaço, ouvindo esses discursos, sem entender que pudesse ser verdade. Hoje eu me sentí um palhaço.
Mas foi daqueles que trazem alegria. Como aquelas lágrimas que caíram...