quinta-feira, julho 22, 2010

Muito do que não basta.

Lá pro tempo da minha avó (ou da infância dos meus pais), a despesa da casa era feita em armazéns. Um balcão, um tio atrás do balcão. Não eram muitos os tios, nem os balcões, nem as opções.
Exatamente por isso, pra crescer, tinha que ser de outro jeito.

Vieram os PEGUE E PAGUE, onde o cliente entrava e pegava o que quisesse, botava na cestinha e passava pelo caixa. Agregamento de ítens HORTIFRUTIGRANJEIROS, carnes, pães e lacticínios, crescimento exponencial da variedade de marcas e produtos.

Hoje, o foco é suprir todas as necessidades que o cara possa ter, no mesmo espaço físico. Eletrodomésticos, roupas, remédios, eletrônicos e serviços. Dá pra abastecer o carro, tomar um café, pagar contas, colocar crédito no celular, revelar fotos, fazer amigos e dançar a conga. 24 horas por dia.
Eu lembro de uma infância num esquema armazém do tio.
Eu tinha uma professora, eu tinha uma turma onde ninguém era ruim. Eu tinha umas poucas vontades. Queria gibis, roupas roxas, um macacão e repicar o cabelo. Sabia desde janeiro o que pedir no natal.
E tinha mais PAIXÃO. O peito doía de alegria com as férias na casa das primas, com a semana na praia, com o oi do Renan, com o domingo no clube, com o pacote de Passatempo, a bolacha mais gostosa do universo. Nada era ruim por muito tempo. Assim que o choro secava, já tava tudo bem.
O tempo e as surras vão laceando as emoções, ao mesmo tempo que a gente sofre mais. Uma roupa nova já não tem tanto valor no fim do dia, um sentimento novo já não tem tanto valor no fim da noite. A gente já não sabe qual é a melhor bolacha, já não sabe qual pacote de feijão comprar, tem coisa demais no supermercado, tem gente demais na vida da gente.
Eu ando quilômetros com o carrinho e não levo nada. Eu não gosto mais das coisas que eu gostava e o problema de experimentar uma daquelas que a gente nunca pensa em pegar porque é muito caro, é que a gente tem mania de viciar no que não dá pra ter sempre que a gente quer.
Eu andei perguntando pras pessoas se elas são felizes e ninguém diz “sim”. Ao invés de três letras, elas usam o resto do alfabeto, os números e a mitologia grega. Elas não sabem, elas estão trabalhando pra isso, elas são 70% felizes.
Elas se encontram no mercado, de madrugada, procurando por alguma resposta. Andam, olham, pegam, hesitam, devolvem, continuam com fome.
No meio de tanta opção, ninguém dá bola pra algo como uma bala. Não mata a fome, mas adoça uns minutos da vida. É uma alternativa simples e desinteressada, mas boa. Como um cafuné pra dormir.
Da próxima vez que você se perder no mercado, com fome, compre balas.

Originalmente retirado daqui.

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