O último dia

Hoje é o meu último dia na Base Naval de Natal. Daqui a 7 horas e meia, quando eu for pra casa, estarei nas estatísticas do Governo Federal sobre desemprego. Espero passar pouco tempo nelas....
Durante o café da manhã, me veio á cabeça a lembrança da minha primeira refeição aqui na BNN: manto sagrado. Ou seja, carne moída assada no forno. Não é tão boa quanto parece.
Desde a semana passada todo mundo que passa por mim me diz tchau. A maioria lamenta a minha ida, dizem que isso é um absurdo, etc e tal...alguns acham que estou sendo transferido pra alguma Base Naval no sul do país...
Ontem eu passei as minhas tarefas pro meu substituto: um 2º Sargento. Ele parece não ter entendido muito bem como a coisa funciona por aqui...
Acabei de fazer o meu último orçamento na BNN: sobressalentes pra um motor MWM 232 V8, não turbinado.
Só me assusta esse sentimento de saudade: nunca gostei muito daqui. Nunca escondí isso.
Gostava da tranquilidade ocasional. Do salário certo, apesar de baixo.
Gostava da relativa estabilidade. Mas nunca estive plenamente satisfeito.
Não que eu esteja cuspindo no prato que comí, não é isso. A disciplina cega do militar não me cai bem. Essa coisa de obedecer por obedecer não me desce com facilidade....
Mas vou sentir saudades daqui. Das guerrinhas nos momentos de stress, do cafezinho, da continência de algum marujo perdido na hierarquia, da internet lenta, da máquina de xerox, dos milicos que acham que prestam um grande serviço á Pátria...sentirei falta deles.
Se a vida for realmente organizada em ciclos, com certeza hoje se encerra mais um deles. E amanhã, um novo ciclo terá início. Que seja melhor que os outros.
Mas que me assusta esse sentimento, misto de solidão e saudade, ah isso assusta.